quinta-feira, 3 de março de 2011

MALDAD ( traduzido )

Terminei de ler “A Excepção”, um livro do autor dinamarquês Christian Jungersen que adorei e que, principalmente, me fez reflectir muito ao longo da sua leitura.
 Às vezes e, com determinados livros, permaneço quase mais tempo a pensar sobre o que diz o livro que o próprio tempo transcorrido com a leitura, sendo isto o que me aconteceu com “A Excepção”, em que encontrei ao longo das suas páginas com ideias e situações que me perturbaram muito.
 Sem entrar em pormenor no argumento da obra, vou somente referir que as protagonistas são quatro mulheres que trabalham numa agência dinamarquesa especialista em informação sobre genocídios e irei directamente ao tema fundamental do romance.


A Excepção” fala essencialmente da maldade humana e faz isto desde duas dimensões diferentes.
O primeiro plano seria a maldade intrínseca da Humanidade e as coisas terríveis que o Homem pode fazer com o seu semelhante, existindo nesta agência, uma quase infinita informação sobre massacres horrendos e crimes contra a Humanidade horripilantes, não existindo melhor sítio que esta agência para circunscrever o tema, porque na biblioteca e nos seus arquivos está recolhida quase toda a informação mundial sobre este angustiante assunto.
No segundo plano estaria a maldade do quotidiano reflectida nos conflitos pessoais e profissionais que existem entre estas quatro mulheres, acentuando-se mais esta maldade do quotidiano nelas porque são pessoas que estão disponíveis a ir ajudar um próximo, desconhecido, aos sítios piores do Mundo, mas que, no entanto, fazem sofrer aqueles que estão próximos, padecendo muito também elas próprias.
 Esta segunda dimensão terá um tratamento exclusivo em outro comentário posterior.
Voltando à dimensão mais global da maldade humana, as personagens fazem algumas perguntas abertas que ficam sem resposta, por exemplo se fosse eu, um alemão que tivesse vivido na Alemanha de Hitler, teria tido um comportamento diferente com os judeus que eram meu vizinhos, naquele contexto específico? Se em uma guerra tivessem torturado, matado, mutilado e violado aos meus seres queridos, eu teria um comportamento diferente se pudesse vingar-me? e outras perguntas semelhantes.
Estas e outras interrogações análogas têm difícil resposta ou em muitos, casos, até temos a resposta, mas como não é politicamente correcta, ou a resposta não é o que os outros estão a espera que digamos, calamos.
Eu penso que o ser humano em situações limite, é capaz das maiores aberrações e muitas vezes em nome de altos ideais. Como também acho que o Homem tem uma capacidade inacreditável para auto justificar os seus actos, incluindo os piores actos possíveis e uma série ilimitada de mecanismos e processos mentais que conseguem que nos adaptemos a qualquer situação, mesmo que seja ao papel de verdugo e sem remorsos de consciência.
Temos um ligeiro verniz cultural de bondade e de princípios morais embutidos nas nossas mentes, mas que se chega a rasgar esta capa superficial por alguma razão deixa ao descoberto o animal feroz que somos.
Como é óbvio pode haver exemplos que demonstrem precisamente o contrário, porque felizmente não somos máquinas e há pessoas excepcionais que têm comportamentos diferentes aos anteriormente descritos, mesmo que considero que estas pessoas constituem uma minoria.
O que mais me perturbou no livro foi uma ideia que foi sugerida várias vezes e que se sustenta em diferentes estudos realizados com pessoas que participaram em crimes e genocídios contra outros homens, sendo que a razão principal para as pessoas realizarem tais actos não foi, como era a minha ideia, o cumprimento de ordens superiores e o medo às consequência por não cumprir as ordenes, mas sim a pressão dos próprios colegas para realizar estas tarefas terríveis, o que nos leva a um raciocínio terrível, em que em muitas ocasiões fazemos situações que, no início, sabemos que não são as correctas para não termos de enfrentar o grupo no qual nos incluímos e não sermos portanto excluídos do mesmo, seja qual seja este grupo e isto sucede desde as mais pequenas coisas quase sem importância até a coisas mais terríveis em situações limite.
Será que eu teria tido um comportamento diferente se fosse um alemão contemporâneo de Hitler?
Quero acreditar que sim.

ASTRUV

1 comentário:

  1. O que leva o ser-humano a fazer seja o que for? A sobrevivência? A necessidade de prevalecer para além dos outros? A necessidade de procurar a imortalidade?
    Ao longo dos milénios muitas têm sido as infinitas justificações que o ser-humano encontra para se justificar perante acções que são, per se, injustificáveis: a cultura, a religião, a cor de pele, a riqueza, a água, mais as primeiras que estas últimas, sem dúvida, acima de tudo a necessidade de castrar o que é diferente, o que desconhecemos, de submeter os outros à nossa vontade, aos nossos desejos, ao nosso poder. Sermos únicos, sermos valorosos, sermos os deuses e senhores da nossa terra…
    Cada ser-humano, com sorte, nasce provido de mecanismos de aprendizagem que lhe permitem absorver tudo o que está em seu redor, normas e regras da família e da sociedade onde se insere… O Homem nasce desprovido de bom-senso, com sorte adquire-o ao longo da Vida, apesar de moldado pela cultura, religião, política e interesses sócio-económicos vigentes.
    O Terceiro Reich nasceu da mente disforme de vários megalómanos que tiveram a capacidade de convencer milhões de pessoas a chacinar outros tantos milhões, movidas pela ganância. Pela ganância de serem os melhores, os mais belos, os mais ricos, os mais inteligentes, os mais… Pela deificação de uma cultura, de um credo, de um homem, dizimar a diferença e, com ela, milhões de seres-humanos.
    Não olvidemos que a política do Terceiro Reich invadiu a vivência diária, moldou a concepção, a compreensão e o entendimento de gerações e, acima de tudo, moldou a realidade humana desde o seu aparecimento, já há quase 100 anos atrás…
    Porque é que aquele povo o permitiu? Porque é que o Mundo o permitiu?
    Sabemos que, muitas vezes para poder sobreviver, o indivíduo se molda ao desejo e à imposição do grupo. Sabemos que em situações limite esta realidade impera. Felizmente, os inconformistas não se regem pela maioria e, no limite, analisam o todos observando a generalidade em prol da minoria.
    A possibilidade de analisar, decidir e agir tomam formas absolutamente. O que faríamos e o seu significado se mais nenhuma forma de governo conhecessemos seria claramente diferente que se tivéssemos a noção de realidades diversas. Acima de tudo, para além da nossa sobrevivência, tem de imperar a nossa capacidade de análise do que nos rodeia, o nosso inconformismo, pois só duvidando e questionando se pode prevalecer.
    “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade.” (Albert Einstein).

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